Depois de
muitos tropeços, o universo da DC nos cinemas parece finalmente ter se
encontrado com seu novo filme
Atenção! Contém possíveis spoilers.
Nova
York, 1974. Thaddeus Sivana, um garoto, está numa viagem de carro com seu pai e
seu irmão. A relação deles é longe de ser maravilhosa. No meio de uma
discussão, Thaddeus é magicamente transportado para a Pedra da Eternidade, onde
é recebido pelo Mago Shazam (Djimou Hounsou). O mago lhe diz que está à procura
de um novo campeão para herdar seus poderes, mas essa pessoa precisa ser digna
e não sucumbir à tentação dos sete pecados capitais (cujos espíritos estão aprisionados
em estátuas) que lhe oferecem poder maior. Thaddeus, assim como muitos outros
antes dele, não resiste e cede às artimanhas dos pecados.
Filadélfia,
dias atuais. Billy Batson (Asher Angel) é um órfão adolescente que vive fugindo
de lares adotivos. Agora, viverá na casa de Victor (Cooper Andrews) e Rosa Vasquez
(Marta Milans), onde terá cinco irmãos. Num dia, na saída da escola, um dos
irmãos adotivos de Billy, Freddy Freeman (Jack Dylan Grazer), apanha de dois
valentões. Billy intervém para defender Freddy e foge para o metrô. Assim como Thaddeus,
anos antes, Billy é transportado para a Pedra da Eternidade e é recepcionado
pelo mesmo mago. O homem lhe diz a Billy as mesmas coisas que havia dito para
Thaddeus, mas as estátuas não estão mais lá, e o teste, que diria quem é digno
de herdar os poderes do mago, não existe mais. Billy diz que não é bom o
suficiente e que não há ninguém perfeitamente bom para tanto. O mago, então, entende
que o garoto é quem ele sempre havia procurado.
Para
transferir seus poderes ao jovem, Shazam pede que Billy segure em seu cajado e
grite seu nome. “SHAZAM!” Billy está de volta ao metrô, mas não é o mesmo
garoto. Ele agora é um homem adulto (Zachary Levi) numa roupa colada, com capa
branca e um raio amarelo brilhante na altura do peito. É um super-herói, com músculos,
múltiplos poderes e tudo mais que acompanha o pacote. Surpreso, Billy não sabe
o que fazer com seus poderes, quais eles são e até onde eles vão, por isso,
conta com a ajuda de Freddy. Juntos, formam uma das duplas mais carismáticas e
cheias de sintonia dos filmes de super-heróis.
O
filme, dirigido por David F. Sandberg (Annabelle 2: A Criação do Mal), é, sem
dúvida, o melhor dentre as últimas adaptações de quadrinhos da DC Comics para
filmes realizadas pelos estúdios da Warner Bros. Considerando grandes fracassos
do passado, como “Batman vs Superman: A Origem da Justiça” e “Esquadrão Suicida”,
ambos de 2016 e com dedo de Zack Snyder, por exemplo, é notável e digna de
reconhecimento a tentativa de reparação que filmes mais recentes do estúdio têm
imprimido na percepção dos DCnautas.
Quando
o bom “Mulher Maravilha” (2017) foi lançado, já era possível sentir o ar de
renovação vindo de longe. A estética já não era mais a mesma, não era tão
sombrio quanto os outros (não que isso seja um erro) e era muito mais “humano”
do que os filmes de “deuses-super-heróis” tentavam passar antes – embora Diana
(Gal Gadot) seja uma verdadeira deusa. Talvez, nesse caso, a mão da diretora
Patty Jenkins tenha pesado mais do que o dedo – quase sempre podre – de Snyder,
um dos produtores do longa. Mas em contrapartida, no mesmo ano, o estúdio
lançou o razoável “Liga da Justiça”, dirigido por Snyder, que apesar de tentar se
redimir com um roteiro mais enxuto (até demais, inclusive) e mais recheado de
piadas, está longe de ser, por exemplo, um “Aquaman” (2018).
Este
último, até o lançamento de SHAZAM!, na última quinta-feira (04/04), ainda
podia ser considerado o melhor dentre os citados, apesar de ser muito parecido
com títulos da Marvel. Mas o que difere um do outro está além do roteiro (ambos
ainda apresentam recursos clichês, é verdade), das atuações (ambos
protagonistas são ótimos) ou dos efeitos especiais (embora os do filme mais
recente sejam muito superiores aos do anterior). A principal diferença está no
fato de que enquanto “Aquaman” ainda deixa transparecer uma preocupação em
tornar o universo DC nos cinemas mais flexível a outras possibilidades, em
busca de uma identidade própria para este universo e para o filme em si,
SHAZAM!, por outro lado, parece ter encontrado a resposta para todas as dúvidas
que rondavam as produções anteriores.
Essa
resposta, enfim, é que não adianta, nem os fãs e muito menos o estúdio, se
preocuparem com o gramado do vizinho enquanto tentam negar que há sim moldes
não apenas para filmes de super-heróis, como também para filmes e histórias no
geral. Essa espiada no trabalho dos concorrentes e as tentativas frustradas de
ser o oposto ou a diferença no meio da mesmice é um dos fatores que mais
prejudicou os filmes da DC até agora. A Jornada do Herói, tão bem difundida pelo
mitologista norte-americano Joseph Campbell, explica muitos desses moldes e surpreendente
mesmo seria se alguma dessas obras saísse dessa base em comum. Como não é o
caso, pelo menos não até agora, é justo que se compreenda que não há “filme da
DC” ou “filme da Marvel” quando a única coisa que se deseja é um bom blockbuster de super-herói. O que, convenhamos,
não pedir muito (Marvel que o diga).
Não
que o público deva se contentar com qualquer porcaria, longe disso. Mas saber
que não adianta se preocupar tanto com a concorrência porque termina por não
fazer o próprio trabalho adequadamente é fundamental. Ao fazer isso, o risco de
criar algo muito ruim, como “Batman vs Superman”, ou muito parecido com o que já
foi feito por outras pessoas – mesmo que bom –, como “Aquaman”, é muito grande.
Reconhecer os próprios erros e acertos, bem como os dos outros no mesmo meio é
fundamental, mas sem orgulho ou obsessão. Em outras palavras, não adianta
querer fazer um filme trash sem
algumas tripas explodirem no meio do caminho, ou fazer uma cena de suspense e
fingir que Hitchcock nunca existiu. E SHAZAM!, ao que parece, é o primeiro
filme dos mais recentes da DC que foi feito com seus realizadores olhando para
seu próprio trabalho, e por isso é o melhor.
É
claro que, como a maioria dos filmes do gênero, SHAZAM! não é nem de longe uma
obra de arte, ou um “Batman: O Cavaleiro das Trevas”, por exemplo. Mas saber
que finalmente a Warner aprendeu, representando esse novo movimento com um filme
de origem tão divertido e oposto às produções anteriores, depois de tanto tiro
no pé e dedadas de Zack Snyder, é um grande alívio.
*Texto
por Bruno Carvalho
Trailer:
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