Opinião | 13 Reasons Why – 2ª Temporada (Com Spoilers)



A segunda temporada de 13 Reasons Why dividiu opiniões ao redor do mundo. E as críticas negativas se sobrepuseram, com muitas pessoas afirmando que esperavam mais ou que não gostaram do enredo.

A primeira temporada foi completamente “real” e a facilidade de pegar a mensagem foi possível, pois existia uma personagem central sofrendo. Já nesta segunda parte, muitas pessoas não gostaram de assistir os fatos que Hannah escolheu não contar nas fitas, possibilitando assim alterar a imagem que construímos dos “culpados”.

Podemos citar cinco pontos importantes sobre essa temporada que irão desmistificar e  provar que a personagem só não é ruim, como também está mais próxima da nossa realidade do que imaginamos.

Se ainda não assistiu a série, feche essa janela agora, vá assistir e volte depois, pois o texto contém spoilers.


1º - Real história da Hannah
A forma como essa série conversa com a realidade é assustadora – talvez ela até esteja mais voltada para a realidade americana –, mas sabemos da importância dela para abrir diversos debates que precisam ser feitos.

O outro lado da história da Hannah abalou muitas pessoas, causando a incompreensão da personagem e o apego à primeira versão contada nas fitas, onde ela aparece como uma “vitima”. 

Hannah não é uma coitadinha, ela lutou, passou por diversas coisas e lidou da melhor forma que encontrou. Ela ter escondido o caso com Zach, a volta da sua paixão por Justin e o caso no colégio antigo, são pontos importantes da história, mas que ela não gostaria de contar.

Ela gravou 12 fitas mostrando quais foram os atos que realmente a machucaram, outros acontecimentos não tiveram tanta importância para ela compartilhar, o que também impossibilita que mensuremos a dor que ela realmente sentiu, além dos sentimentos citados nas gravações.

Como o ocorrido foi a julgamento, ficamos sabendo que algumas pessoas mentiram e que a versão contada por outros seria completamente diferente da dela. Isso acontece no mundo real – muitas vezes não precisa ser de frente pra um júri –, se alguém não está mais aqui, então ele não pode falar por si próprio, logo a sua história é contada por outro.

Se assistirem o episódio especial que tem depois do último capítulo, “Tentando entender os porquês”, você enxerga que existe um grupo de psicólogos especializados e advogados que, com uma base de pesquisa de casos passados, conseguiram montar um julgamento real.

Eu acredito que a mãe da Hannah errou em expor a história dela, mas como o diretor da série disse “pais que perdem seus filhos dessa forma, tem a necessidade de procurar um culpado”. Em certo ponto os proprios pais enxergaram os seus erros, mesmo que para Hannah não tenha sido, já que ela nunca os mencionou nas fitas, mas quando se abre a história de uma pessoa, para outros julgarem – baseados no testemunho de pessoas que não são a vítima – tudo sai do controle.

A série teve um bom enredo, mostrando de forma real o que acontece - e, desde o princípio, ficou claro que a série não é um conto de fadas -, sendo necessária pra trazer temas que precisam ser falados.

A mídia, as pessoas, a defesa do colégio, todos bombardearam a imagem dela. Foi como abrir a ‘caixa de Pandora’ e então ela se transformou na ‘julgada’: foi chamada de vadia, acusada de cometer bullying e tantas outras coisas.

Uma das melhores cenas é quando Justin confronta Clay e fala sobre estarem chamando ela de vadia por ter beijado 3 caras. “Sabe com quantas garotas eu já dormi? Tipo, muitas. Isso me torna uma espécie de pegador, e meus melhores amigos achavam que eu era o melhor. A Hannah dormiu com um cara. Ela tinha uma queda por outro cara, eu e ela beijou um terceiro, você. E tanto faz, tudo bem, certo? De repente ela é uma vadia?”


2º Jessica, Nina e a cultura do estupro


Jessica e Nina foram muito criticadas ao longo da série e isso está errado. Vi diversas meninas com comentários pesados sobre o comportamento delas, principalmente da Jessica.

Existe algo chamado “sororidade”, que nada mais é do que uma união das mulheres, na luta e apoio na busca de alcançarem objetivos em comum. PRECISAMOS EXERCITAR ISSO! E lembrarmos que se não conhecemos a dor, não podemos julgar. Jessica é uma jovem negra, em um país racista, que não se sente a vítima “perfeita”, então ela simplesmente omite por vergonha e ainda tem que voltar para o colégio que o seu estuprador frequenta.

Não existe julgamento para isso, ela foi uma das grandes guerreiras da série, enfrentando seu próprio medo, sua vergonha, mas o que me deixa abismada é o fato das pessoas não respeitarem o tempo dela. A dor é dela, o corpo e cérebro agem da forma dela e ninguém respeita. Ela não estava pronta pra lidar com o mesmo tipo de julgamento que estava caindo sobre Hannah.

Não julguem. Nós mulheres precisamos começar a nos apoiar, seja de forma pequena como uma personagem. Nenhum homem nunca vai sentir a nossa dor feminina na busca de direitos iguais ou a luta com o medo de sair na rua e ser estuprada ou morta. Se nós não nos apoiarmos, que irá?

Jessica é uma mulher que passou pelo que todas mulheres tem medo e ela enfrentou da melhor forma que conseguiu.

Nina também, ela foi posta por muitos como vilã por ter roubado a caixa com as polaroides. Pelo amor de Deus, ela foi estuprada, ela não pode pelo menos escolher em qual momento ela quer contar a história dela ou se ela quer? Ela já teve algo dela violado e as pessoas insistem em continuar tirando mais coisas que são dela.

É triste ver mulheres falando mal e colocando a dor das personagens como algo insignificante e julgando os atos delas como “egoístas”. Até pouco tempo elas tinham controle do que queriam fazer, com quem queriam sair e em outro momento uma dessas coisas foi roubada delas, contra a vontade delas, elas tem que aprender a viver com isso e se reinventarem, conviver com o medo.

Nina e Jessica não são vilãs, são vítimas. E a série mais uma vez trouxe para o lado real.

Pessoas julgaram a Hannah, como se ela tivesse ido atrás do Bryce, pessoas julgaram a Jessica, como se a culpa fosse dela e pessoas iriam julgar a Nina da mesma forma. Não está certo, mas quando a série se propõe a colocar a realidade é pra causar esses tipos de debates, para incitar que mulheres se apoiem, que homens escolham o certo e as apoie, também.

E vemos esse tipo de julgamento, até mesmo em personagens que eram próximos a Hannah, como o Clay quando eles descobrem a caixa com as polaroides e ele diz: “É isso que eu não entendo. Como elas se colocam numa situação dessas?”.

Sheri responde: “Sério, Clay? Vai culpar as garotas?”.
Clay ainda tenta debater: “Não eu só… Esta garota está rindo. Ela está se divertindo”.
E ela rebate novamente: “Clay, você não sabe o que está acontecendo nessa foto. Nem o que aconteceu depois”.
Clay: “Mas ninguém a está obrigando a estar ali”.
Sheri: “Garotas não “se colocam” em situações ruins. Garotos criam uma situação ruim. Você não sabe como é… ser uma garota naquele lugar”.   


3º Bryce e o favoritismo do criminoso branco e elitista

Primeiro: o ator Justin Prentice não é o personagem Bryce!

Algumas pessoas acabam atacando o ator pelo ódio que é destinado ao personagem. Isso não existe, é o trabalho dele e ele está fazendo maravilhosamente bem. É necessário entender que Justin Prentice é uma pessoa completamente diferente e que tem uma coragem absurda de dar vida a um vilão assim, porque a história não seria contada sem ele. Espero que todos apenas o parabenizam pelo trabalho incrível. 

Sobre o julgamento do Bryce, simples e direto, ele é branco, astro do esporte e filho de pais ricos e influentes. Nos EUA e em boa parte do mundo, quando estupradores nesse padrão, que também são réis primários, vão a julgamento, essa é a decisão. O juiz decide aplicar uma pena leve, com a intenção de não causar grandes danos, afinal, ele é o ‘futuro do país’.

A consultora da série e advogada de direito das vítimas, Carrie Goldberg, ressaltou a fala do juiz, quando ele coloca o caso como tragédia e diz que ‘ambos cometeram erros que os levaram até ali, os dois precisam pensar nos seus atos e que ele não gostaria de causar mais danos ao futuro deles, porque eles precisam seguir com suas vidas’. Ela diz que ele construiu uma falsa equivalência moral, igualou os dois, quando não deveria ter feito, mas isso normalmente acontece na nossa sociedade.

“Não a nada equivalente nas decisões feitas pelo Bryce em relação à Jessica. O Bryce decidiu estupra-la. A Jessica não decidiu ser estuprada”. Goldberg disse em entrevista cedida ao episódio especial da Netflix, 13 Reasons Why: Tentando Entender os Porquês.

Ela também afirma que o julgamento contra Bryce é uma “vitória”, baseada no nosso modelo de justiça, já que apenas seis em mil casos terminam com alguém sendo criminalmente processado. Sim, seis em mil casos.

A série mais uma vez se baseou em julgamentos famosos e parecidos. Nosso mundo não é perfeito, nossa justiça muito menos, sabemos que as pessoas omitem, principalmente quando envolve pessoas em status favoráveis.

Bryce teve os melhores advogados, o apoio do colégio, incluindo o treinador que muitas vezes encobriu casos dele, obviamente no mundo real ele não seria 100% penalizado. Esse é o erro na hora de julgar essa série, por mais que ela seja uma ficção, aborda temas com desfechos reais.

Por isso, mais uma vez a sororidade é tão importante, não adianta nos indignarmos com casos iguais a esse, mas no segundo seguinte julgarmos uma mulher que foi vítima de estupro.


4º Tyler e Justin: outra vítima e a omissão

Tyler é sempre alvo de bullying, inclusive de pessoas que sofrem com isso. Ele é colocado de lado enquanto todos os outros mergulham em suas próprias dores e se esquecem completamente do que ele está passando. Algumas pessoas se ajudam, mas ninguém se preocupa e, ajudá-lo.

É um personagem que traz dois casos importantes e reais: abuso sexual para com homens e os massacres nas escolas americanas com armas de fogo. No Brasil obviamente, desconhecemos essa última parte, aqui não é comum crianças entrarem em seus colégios e atirarem contra colegas, já o caso do bullying ainda acontece em um nível diferente no país. Ele não é inexistente, mas não é tão violento.

O site 1in6.com apresenta uma estatística alarmante: um em cada seis homens foi abusado sexualmente, entretanto esse tema ainda é pouco abordado e quase nunca vai a julgamento. Recentemente ele tem vindo à tona graças a denuncias, como o caso que envolve o ator Kevin Spacey, e vários atletas que revelaram abuso de seus antigos treinadores.

As pessoas estão se familiarizando com o tema e abrindo espaço para que outros homens apareçam e compartilhem suas histórias.

Durante o episódio especial, “Entendendo os Porquês”, os produtores e diretor ressaltam que casos de violência sexual, como o de Tyler, são comuns nas escolas, principalmente partindo de atletas ou personalidades populares para com estudantes que são vítimas de bullying.

Esse é mais um tema que precisa ser discutido e analisado. Não é correto que uma pessoa sofra todas as situações apresentadas por Tyler, mas também não justifica a decisão de pegar uma arma e ir atirar na escola – mas como a série buscou ser fidedigna, precisou mostrar esse lado.

A causa do problema todos sabem, mas o que fazem pra resolver isso? O que fazem para evitar que Tylers existam no mundo real? Quase nada.

Não adianta só controlarem as vendas de armas nos EUA e esquecerem que as crianças vão continuar sofrendo essas agressões e buscar uma maneira de descarregar. Hannahs e Tyler existem, mas seria ótimo se não houvessem pessoas que se identificassem com a história deles. Enquanto elas existirem, o problema precisa ser mostrado e combatido.

O Justin é o outro lado da moeda: ele foi cúmplices do estupro da Jessica por ter conhecimento do ocorrido e proteger Bryce. E o peso desse erro o levou ao mundo das drogas. Ele não é um monstro igual ao Bryce, tanto que ele reconhece essa falha e se coloca a disposição para ajudar Jessica a encontrar justiça.

Infelizmente, em sua decisão, vemos mais uma vez como a justiça é falha, pois mesmo não sendo o agressor, Justin recebeu uma pena maior do que Bryce só pelo fato de ser pobre e não ter conexões importantes.


5º Ligação com a realidade

A série mostra um aviso desde o começo informado a realidade que ela transmite, por isso informa para pessoas que passam por casos similares, que talvez esse não seja o melhor programa para elas assistirem. Obviamente, mesmo assim algumas coisas ainda são ilusórias, mas são mínimas e acredito que esse é o ponto que muitos não sabem lidar.

A produção traz assuntos quentes que são o “mau” da nossa geração e pautando assuntos que muitos acham que se não for comentado, vão sumir.

Mas não somem, eles continuam ali. Jovens continuam se suicidando, pessoas apresentam problemas de saúde mental, estupros acontecem e não é o ato de “ignorar” que vai fazer com que eles sumam ou diminuam.

A realidade precisa ser falada. Filmes fantasiosos são ótimos - onde o vilão se dá mal e o mocinho conquista a mocinha -, mas é necessário olhar com olhos diferentes para filmes e séries que, mesmo sendo ficção, querem contar a realidade.

Antes do suicídio de Hannah Baker e dos pais entrarem com o julgamento contra o colégio, os personagens viviam as margens da omissão do corpo estudantil sobre temas como o bullying. Estupros aconteciam dentro da própria escola, diversos alunos eram maltratados e mesmo assim, muitos vivem dentro de uma bolha. Onde se adora os carros de luxo, grandes eventos esportivos, líderes de torcida e atletas colocando suas conquistas como troféu.

Quando a morte de dois estudantes acontece, essa bolha se estoura. Todos precisam reaprender como viver sem a proteção da omissão. Nos deparamos, quase que diariamente, com uma realidade parecida. Programas como esse, trazem luz a uma realidade, que por muito tempo foi omitida e faz com que as pessoas enxerguem histórias parecidas ao redor e se compadeça.

Talvez 13 Reasons Why seja um grito de socorro para muitas crianças que passam por isso. Uma forma de se sentirem representadas e de tenham certeza que outras pessoas irão escutar e ver o que acontece em baixa de uma omissão. Uma porta para a mudança.

Ainda vivemos dentro de uma sociedade que não aceita a realidade de temas que a série aborda. Estupro, Bullying, drogas, suicídio e saúde mental, não são temas bonitos e nunca estiveram tanto em destaque. No entanto uma série trazer isso à tona, é importante.

Muitas pessoas não conhecem esses temas e a série cria uma base que ajuda com que todos entendam, como elas acontecem, onde procurar ajuda e como ajudar alguém. Isso a torna tão importante, por colocar em evidência temas que precisam ser debatidos para serem solucionados.

Precisamos julgar menos e dar mais apoio, não só a série, mas as pessoas que passam por casos parecidos a nossa volta.



Caso conheça alguém ou precise de ajuda, podem encontrar informações no site: https://13reasonswhy.info/?country=10

Texto por Ana Caroline Moraes

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