Nova temporada
da série antológica estreia no próximo dia 5 de junho na Netflix
“Black
Mirror” (“BM”) estreou em 2011 no canal britânico Channel 4. Depois de duas
temporadas e um especial de natal, o título foi comprado pela Netflix, em 2015.
Desde então, outras duas temporadas e um filme interativo (“Bandersnatch”),
foram lançados, em 2016, 2017 e 2018, respectivamente. Criada por Charlie
Brooker, a série antológica mostra em cada episódio um universo e histórias
totalmente diferentes umas das outras (apesar de teorias apontarem sinais de
que há um universo compartilhado entre todos os episódios e, inclusive, um em
especial confirmar parte disso).
Compartilhando
ou não o mesmo universo, o que cada episódio e temporada têm em comum é o fato
de partirem do mesmo tema: as possíveis e imprevisíveis consequências dos
nossos avanços tecnológicos irrefreáveis. Seja se passando num futuro
distópico, numa atualidade caótica ou numa sátira social nervosa do uso que
fazemos das novas tecnologias e os caminhos mais prováveis que temos tomado, a
série é uma das obras que mais propõem o debate e a reflexão sobre os limites
das nossas relações com as máquinas.
Mais
do que uma fotografia dos medos, preocupações, incertezas e projeções que o
nosso próprio tempo faz para o futuro, “BM” relaciona e conecta quase que com
ineditismo todos esses fatores e nos faz enxergar nossa própria fragilidade
humana diante da frieza calculista de um mundo refém da evolução tecnológica a
qualquer custo, construído por nós mesmos.
Longe
de ser “inimiga” da tecnologia, “BM” não é um manifesto contra carros
elétricos, TVs inteligentes e a internet (se fosse, seria irônico ser exibido
num serviço de streaming, mas não é o
caso). A crítica é voltada à dependência, à falta de ética – tanto no que diz
respeito à corrida frenética por ter cada vez mais e melhor, quanto sobre o uso
que fazemos do que já temos – e, sobretudo, à subestimação comum e recorrente
que o ser humano pratica sobre suas criações.
Uma
frase de efeito/conceito muito difundido entre os fãs da série é de situações,
objetos e/ou hipóteses que sejam “muito ‘Black Mirror’”. Diferentemente de toda
profundidade narrativa e até estética – de alguns episódios muitíssimo bem
desenvolvidos –, o tal conceito se sustenta no terço mais raso e superficial da
série, que vai de encontro à básica pergunta “tecnologia, amiga ou inimiga?”,
contentando-se apenas em dizer que algo muito inovador e diferente do que se
têm costume é diferente demais e o suficiente para causar pânico e histeria. No
entanto, em se tratando de “BM”, até mesmo na parte mais rasa de toda sua
dimensão há certa profundidade, pois poucas obras ultrapassam os limites das
telas em que são projetadas para se tornarem conceitos e parâmetros de
compreensão do mundo a nossa volta difundidos pelos apreciadores de cultura
pop.
No
próximo dia 5 de junho a quinta temporada da série estreará na Netflix. Para
aquecer e entrar na vibe “isso é
muito ‘Black Mirror’”, fique com os cinco episódios que mais representam o
conceito popular da série.
5 – Black Museum (S4E6)
IMDB:
8,7/10
Rotten
Tomatoes: 73%/100%
Letitia Wright é a protagonista do último episódio da quarta temporada de "Black Mirror", um dos melhores de toda série. |
Neste
episódio, a viajante Nish (Letitia Wright) se depara com um museu de beira de
estrada no meio do caminho: o Black Museum, que expõe “artefatos criminológicos
autênticos”. Durante sua visita, Nish é acompanhada pelo dono do local, Rolo
Haynes (Douglas Hodge). Os dois fazem uma tour
pelo local, parando de vez quando para que Haynes conte as histórias de
determinados objetos para a moça.
O
que torna o último episódio da quarta temporada da série “muito ‘Black Mirror’”,
no entanto, são dois fatores: primeiro, a narrativa metalinguística, que faz muitas
referências à própria série – inclusive nos objetos expostos no museu; segundo,
a reviravolta angustiante do final, que provoca discussões e conflitos éticos e
morais até mesmo no mais insensível dos espectadores.
4 – San Junipero (S3E4)
IMDB:
8,7/10
Rotten
Tomatoes: 91%/100%
Mackenzie Davis e Gugu Mbatha-Raw dão vida a um casal apaixonado em "San Junipero", episódio premiado com o Emmy de melhor filme feito para TV. |
Romântico
e com um final até açucarado – pelo menos em se tratando de “BM” –, “San
Junipero” conta a história de duas jovens mulheres (Yorkie, interpretada por Mackenzie Davis, e Kelly, interpretada por Gugu Mbatha-Raw) que, apaixonadas,
transcendem os limites do tempo, do espaço e de suas capacidades físicas (sem spoilers) para continuarem juntas.
O
episódio é um dos mais premiados e bem avaliados pela crítica. Na 69ª edição
dos Primetime Emmy Awards, em 2017, levou dois dos principais prêmios da
cerimônia: o de melhor filme feito para TV e o de melhor roteiro para série
limitada, filme ou especial feito para TV.
Assim
como em “Black Museum”, “San Junipero” traz uma reviravolta que aborda dilemas
éticos e morais. Sem o assombro do primeiro, mas sim com uma pitada de amor e
paixão, o episódio figura nesta lista justamente porque não apenas de medo, preocupação
e “corram para as colinas!” vive “BM”, e muito menos disso precisa viver a
definição do que é ou não “muito ‘Black Mirror’”.
3 – Fifteen Millions Merits (S1E2)
IMDB:
8,2/10
Rotten
Tomatoes: 100%/100%
Em "Fifteen Millions Merits", Bing, personagem de Daniel Kaluuya, incentiva Aby, interpretada por Jessica Brown Findlay, a participar de um concurso de talentos imprevisível. |
Abi
(Jessica Brown Findlay) e Bing Madsen (Daniel Kaluuya) vivem numa espécie de
prédio/caverna-de-Platão. Lá, todos os cidadãos precisam se exercitar para
gerar energia e ganhar “méritos” (unidade monetária do local), se por algum
motivo não o fazem e acabam se tornando obesos, terminam por passar por situações
humilhantes.
Num
dia, Bing escuta Abi cantando e a incentiva a participar do concurso de
talentos do lugar, o “Hot Shot” (o programa se assemelha aos moldes do “The X
Factor”). Ele então começa a trabalhar mais do que nunca para conseguir juntar “méritos”
o suficiente para comprar o bilhete de inscrição para a moça.
Aby
participa do programa, mas nada sai como o planejado (sem spoilers). O que resulta disso é uma mistura de sentimentos resultante
de muita contradição que acontece nos momentos finais do episódio. E, aceite ou
não, essas contradições se fundamentam e são reflexo da própria natureza
humana. Com isso, a discussão proposta pelo episódio, que até então já trazia
assuntos extremamente relevantes, se aprofunda ainda mais. Vai além do trabalho
escravo, de conceitos como a sociedade do espetáculo, exploração (de todos os
tipos: moral, sexual, emocional, etc.), “Fifteen Millions Merits” é sobre as
relações humanas, os interesses e o preço (e as consequências) pelo qual cada
um se vende.
2 – Arkangel (S4E2)
IMDB:
7,3/10
Rotten
Tomatoes: 75%/100%
"Arkangel", episódio dirigido pela atriz Jodie Foster, coloca em discussão os limites da intimidade entre familiares. |
Dirigido
por Jodie Foster, “Arkangel” conta a história de uma mãe superprotetora, Marie
(Rosemarie DeWitt), que recorre à aparatos tecnológicos para fazer da vida de
sua filha, Sara (Brenna Harding), o seu “Big Brother” particular (na melhor das
intenções, claro, mas é como dizem, o inferno não está cheio de más intenções).
A relação das duas fica em frangalhos quando a menina toma consciência de tudo
o que sua mãe fez enquanto ela ainda era pequena e de que todos os seus
momentos mais íntimos nunca foram, de fato, íntimos.
“Arkangel”
tem um dos finais que causam os sentimentos mais dúbios nos espectadores da
série, mas o fato é que, esteja você mais propenso a um extremo do que ao outro,
dificilmente não terá revisto toda a sua idealização de família perfeita, seus
próprios limites de intimidade e sua própria concepção de abuso sentimental
depois de assistir o episódio. O “muito ‘Black Mirror’”, neste caso, vai além
de qualquer tecnologia quase-que-extraterrestre, o conceito mexe nos
sentimentos mais instintivos de qualquer ser vivo, os que nutrimos por nossas
famílias e, especialmente, às nossas mães.
1 – Nosedive (S3E1)
IMDB:
8,3/10
Rotten
Tomatoes: 95%/100%
Bryce Dallas Howard é a protagonista do episódio "mais 'Black Mirror'" e "Black Mirror". |
Imagine
um mundo onde as interações virtuais valem mais do que as interações físicas. Um
mundo onde os relacionamentos mais próximos se tornam cada vez mais gélidos e
distantes, como se dependessem das telas pretas por onde nos comunicamos. Um
mundo em que a moeda vigente literalmente é o número de likes, seguidores e outras interações virtuais positivas que você
pode fazer com os outros a sua volta. Um mundo em que se você não consegue ser
como o resto, não consegue se adaptar, não consegue viver a hipocrisia de ter
que viver saltitante o tempo todo para não desagradar o mundo todo e um pouco mais e, consequentemente,
perder credibilidade e influência, está fadado ao fracasso.
Imaginou
tudo isso? É parecido com o caminho que estamos tomando enquanto sociedade?
Pois é. “Nosedive” é provavelmente o episódio que melhor descreve a famigerada
frase de efeito/conceito tão popular. É “muito ‘Black Mirror’” porque as
referências são totalmente claras e dificilmente alguém que vive no nosso tempo
e está imerso no mundo das inovações tecnológicas – pelo menos até a cintura –
não as notaria.
O
universo em que se passa o episódio e a evolução (ou regressão, depende do ponto
de vista) de Lacie Pound (Bryce Dallas Howard), protagonista da história, não é
e muito menos representa uma ideia absurda de um futuro surrealmente distópico,
e sim centenas de situações micros e macros que já vivemos na atualidade. Pressão
social, reputações destruídas por uma série de mal-entendidos que jamais se
recuperarão sem que reste algumas cicatrizes, a espécie humana refém dos
algoritmos... Isso é “Nosedive”, uma exacerbação do que há de pior na realidade
e no tempo em que vivemos para contar uma história que vemos acontecer de
formas diferentes dia após dia só que com a premonição de que ainda dá para
piorar.
*Texto
por Bruno Carvalho
Os valores dos sites IMDB e Rotten Tomatoes, repercutidos nesta lista, foram consultados no dia 26/05/19.
Os valores dos sites IMDB e Rotten Tomatoes, repercutidos nesta lista, foram consultados no dia 26/05/19.
Trailer
da quinta temporada de “Black Mirror”:
0 Comentários