Um dos maiores blockbusters de todos os tempos tem sofrido queda na arrecadação mundial; afinal de
contas, “Ultimato” é mesmo um grande fenômeno?
Sala
vazia. Se comparar com o início estrondoso, pode-se até dizer que a febre
baixou. No único cinema do Itaim Paulista, bairro do extremo leste de São
Paulo, “Vingadores: Ultimato” fez grande sucesso nas semanas que se passaram.
Chegando, inclusive, a ser o único filme em exibição no local do último dia 2
até o dia 8 deste mês – o cenário só mudou quando “Detetive Pikachu” estreou,
no último dia 9. Mas ontem, sexta-feira (17/05), pouco mais de 15 pessoas
assistiram a matinê das 13h30. A sala silenciosa sequer vibrou com as cenas
mais empolgantes, diferentemente do público que caçou os disputados ingressos do
fim de semana de estreia do filme.
Antes da sessão prevista no horário comercial do cinema, outra já havia sido feita para uma enorme turma de pré-adolescentes vibrantes conduzida por um grupo minúsculo – em quantidade e alcance vocal – de professores e professoras. Enquanto ainda estavam na sala, ouvia-se do lado de fora não apenas as explosões e gritarias que vinham do filme exibido, mas, também e sobretudo, de sua euforia. O chão do corredor em que o futuro público, mais diminuto, aguardava, tremia cada vez que a “tchurma” fazia a arquibancada do cinema de coliseu e sapateava com empolgação a cada frame-bomba dos momentos finais do longa. Ao saírem, estampavam no rosto o vislumbre de terem testemunhado o final épico de um arco desenvolvido por pouco mais de dez anos – apesar de um deles dizer para todos ouvirem que “o Superman [sic] e o Capitão América ‘morreu’ [sic]”.
O
público das 13h30 tinha poucas crianças. Todos pareciam mais conectados e
imersos na história assistida, mas havia certa frieza. Os momentos máximos de
empolgação compartilhada foram os cômicos, quando todos riam sem escândalo e
logo tornavam a se concentrar no filme. A audiência mais amena quando um título
está para completar seu primeiro mês de exibição é consequência natural do
funcionamento da indústria do cinema atual: outros títulos são lançados (alguns
tão aguardados quanto os anteriores); os spoilers se massificam cada vez mais
(o que leva muitas pessoas a desistirem de ir ao cinema); muitos, infelizmente,
cedem à pirataria (por vários motivos); a febre esfria... Os motivos que levam
à tamanha apatia do público para com “o filme mais aguardado do ano”, porém, são
difíceis de serem identificados e, consequentemente, explicados.
OS RECORDES E A QUEDA LIVRE
A
conclusão explosiva da supersaga de 22 filmes da Marvel estreou há pouco mais
de três semanas, no dia 25/04. Ansiosamente aguardado que era, não fez feio nas
bilheterias. Segundo o site estadunidense Box Office Mojo, que mostra o quanto
um filme arrecada durante seu tempo de exibição, o longa embolsou no mundo
todo, só no fim de semana de estreia, aproximadamente US$1,2 milhão (destes, US$357,1
mil só de bilheteria doméstica, na América do Norte) e se tornou a maior
abertura da história do cinema (teve a maior arrecadação para uma sexta-feira,
para um sábado e para um domingo, individualmente), tendo superado seu próprio
antecessor, “Vingadores: Guerra Infinita”, que levou cerca de US$640,9 mil (US$257,6
mil, em bilheteria doméstica) para os cofres dos estúdios Marvel/Disney no
mesmo período de exibição. Em seus 11 primeiros dias em cartaz, o filme se
tornou a segunda maior bilheteria da história (sem considerar ajustes da
inflação), tendo arrecadado US$2,188 bilhões em todo mundo.
Nas
duas semanas seguintes, porém e tradicionalmente, a arrecadação diminuiu e
tende a seguir em queda. De acordo com o mesmo site, do dia 3 ao dia 9 deste
mês, “Ultimato” arrecadou, apenas na América do Norte, aproximadamente US$186,5
mil (uma queda de 60,6% em relação à primeira semana), e na semana seguinte, do
dia 10 ao dia 16, a arrecadação na mesma região ficou em torno de US$80,9 mil
(-56,6% em relação à semana anterior). Até a data desta publicação, o site
norte-americano mostra que o filme arrecadou cerca de US$2,542 bilhões em todo
mundo. Esse esfriamento tem colocado em dúvida a certeza que muitos fãs dos Heróis
mais Poderosos da Terra tinham até que a queda começasse, a de que “Ultimato”
chegaria à primeira posição das maiores bilheterias de todos os tempos (sem considerar
a inflação) e ultrapassaria “Avatar” (2009), atualmente no topo da lista, com
aproximadamente US$2,788 bilhões.
O FENÔMENO DE UM PÚBLICO SÓ
Antes
de “Ultimato”, grandes sagas já haviam ultrapassado o conceito de “fenômeno
cinematográfico” e se tornaram fenômenos culturais. “Harry Potter”, “Senhor dos
Anéis” e, claro, “Star Wars” são bons exemplos disso. Algumas mais premiadas
que outras. Algumas mais polêmicas que outras. Algumas mais bem realizadas que
outras. Em comum com a supersaga da Casa das Ideias, por outro lado, todas compartilham
o fato de serem muitíssimo bem-sucedidas em suas bilheterias e terem fidelizado
suas fanbases para além de seus
possíveis finais definitivos. Uma das possíveis explicações para a queda na arrecadação
nas últimas semanas, apesar de tantos recordes quebrados e de ser um dos filmes
mais aguardados dos últimos tempos, tem justamente a ver com os fãs mais
fanáticos do Universo Cinematográfico Marvel (UCM).
Por se tratar de um universo amplo, com uma incrível quantidade de personagens (todos já conhecidos dos quadrinhos e de outros meios) e desenvolvido com a contribuição de várias mentes por pelo menos uma década (o primeiro filme do UCM, “Homem de Ferro”, foi lançado em 2008), esses fãs foram convencidos gradualmente que estavam vivenciando um dos maiores acontecimentos do século a cada filme assistido. Cada fã é um advogado da marca e foram eles, em peso, em grande quantidade, em massa, que correram às salas escuras assim que o filme estreou e fizeram os primeiros resultados de bilheteria serem tão estupendos.
Agora,
aparentemente, pode-se dividir quem ainda procura pelas sessões do filme em
três grupos: os fãs que já viram o filme e querem ver novamente; os poucos fãs
que não conseguiram ver nas semanas anteriores; e os que o assistem apenas para
cumprir agenda (aqui entram os que são convencidos por amigos ou os acompanham,
os que ficam curiosos com tamanho burburinho e querem ver se é tudo isso mesmo
e os que simplesmente assistem para não se atrasar nas rodas de conversa). A
frieza do público da sessão das 13h30 do cinema do Itaim Paulista parece, em
grande parte, ser causada por esse efeito. Dos pequenos grupos que estavam na
sala, o que transparecia era que a maioria estava ali por motivos inconscientes.
Alguns pais e mães levaram suas crianças que, sequer elas próprias, pareciam
tão entusiasmadas quanto a excursão que lotou a sala no fim da manhã do mesmo
dia.
Seria esse grupo ocioso que ainda resta para assistir o filme nos cinemas grande o suficiente para fazer a bilheteria de “Ultimato” ultrapassar a de “Avatar”? Os fãs mais esperançosos dizem que sim, mas a realidade, comprovada em dados e em impressão de qualquer um que acompanhe o ritmo dos cinemas aos finais de semana, dizem que o filme só era tão aguardado mesmo por seus fãs mais ferrenhos. Eles, sim, numerosos que são, foram suficientemente capazes de quebrar os primeiros recordes e de causar grandes rebuliços na indústria cinematográfica. Agora, a bilheteria do longa parece estar sustentada principalmente pelo buzz sobre o próprio filme e sobre as novas informações, confirmações de teorias e repostas às dúvidas do público que o elenco do longa (principalmente seus diretores, Anthony e Joe Russo) tem falado em entrevistas mundo à fora (estratégia que se repete a cada novo filme do mesmo universo).
De
fato, as chances de “Ultimato” ultrapassar “Avatar” na colocação da maior
bilheteria mundial são consideráveis, mesmo com a queda na arrecadação. Afinal,
o filme sequer completou seu primeiro mês de exibição e ainda tem bastante
tempo para que isso se concretize. O fato, porém, é que indiscutivelmente o
fenômeno cultural por trás do longa é muito mais fruto do marketing feito para promovê-lo
(estima-se que tenha sido gasto mais de US$200 milhões em ações) do que de
realmente ter conquistado sozinho novas audiências. Em outras palavras, ir ao cinema
para assistir um filme e estar por dentro das novidades qualquer um pode ir, mas
fazer os que os fãs mais devotos fizeram na última semana de abril é difícil.
VINGADORES, OBRIGADO!
Igualmente
difícil é ver filmes das proporções de “Guerra Infinita” e “Ultimato” serem
realizados. Não apenas por terem sido paridos de uma saga tão longa, mas também
por terem revitalizado uma indústria que, durante um certo tempo, pareceu
sofrer uma espécie de crise de meia-idade. Embora os cinéfilos mais cults e os realizadores mais
reverenciados por esses mesmos cinéfilos tenham torcido o rosto inteiro quando
notaram que os super-heróis chegaram para marcar uma era na história do cinema,
todos os fiéis da sétima arte devem ser gratos pelas contribuições desses
filmes para essa indústria. Pois independentemente do gosto de cada um, e além
das lutas territoriais pelas salas, um dos principais motivos para a
continuação da existência do cinema como conhecemos é o lucro obtido pelos
estúdios que tanto gostamos gerado pelos grandes blockbusters tão odiados pela audiência mais “pseudointelectualizada”.
Levando
a sério as proporções gigantescas do longa (em todas as questões que envolvem a
produção e a exibição de um filme), ou não, é incontestável que todo o desenvolvimento
do UCM é incomparável com tudo o que já foi feito na história do cinema. Em
aspectos individuais e menores é possível equiparar outras obras a esta em
discussão, mas no todo, não há. Talvez o mais correto a se fazer em caso de
dúvida (ou de puro preconceito), não só neste caso, como em qualquer outro que
venha a existir, é vibrar e curtir sem medo de parecer bobo apenas pelos
grandes momentos desses filmes como fizeram os pré-adolescentes da excursão.
Texto
por Bruno Carvalho
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